"Pela noite dentro na Freguesia de Benafim e Alte.Guiado pela Almargem, associação ambientalista e gestora da Via Algarviana sediada em Loulé, O PÚBLICO meteu-se pelo Barrocal, juntamente com 50 caminhantes do Instituto de Solidariedade e Cooperação Universitária (da Universidade do Algarve), que tenta angariar fundos para uma acção de cooperação solidária - Nô Djunta Mon - em São Tomé e Príncipe.
A Via Algarviana (VA) tem 14 sectores e pode ser feita em 15 dias, com escalas em estabelecimentos hoteleiros preparados para o efeito, e abastecimento líquido e restauração ao longo de todas eles. Não fomos tão longe. No sector 7, entre Salir e Alte (percurso superior a 16 km), a Almargem atalhou caminho e seguiu de Benafim, rumo a Alte, encurtando o percurso para 7km.
Os trilhos estão marcados, com sinais pintados em pedras e postes, com a subtileza e os cuidados de quem pretende não ferir o ambiente.
Pelas 22h00 começou a caminhada, entre os muros do casario apertado de Benafim, mas assim que deixámos o perímetro urbano, subimos e descemos suaves encostas, começámos a sentir o ar da terra, expelindo a sua quentura, o suor das entranhas. Há cheiros de terra e vegetação, e à medida que os sentidos se vão apurando, aquela mesma terra começa a ter outros contornos, iluminada por uma lua cheia, a mais potente lanterna que poderíamos utilizar. Os nossos olhos já se habituaram. A luz artificial deixou de ser necessária.
Música para corujas
João Ministro já pertenceu à direcção da Almargem, é ornitólogo, e dispôs-se a animar o passeio com uma tentativa de chamamento a alguns convidados-surpresa. Do cimo do monte avista-se Faro, numa extensão territorial muito mais vasta do que se pensaria, as luzes do aeroporto, aviões em rota de descida, e corre um vento quente, de norte para sul, que aflora levemente a vegetação rasteira do Barrocal.
João Ministro já pertenceu à direcção da Almargem, é ornitólogo, e dispôs-se a animar o passeio com uma tentativa de chamamento a alguns convidados-surpresa. Do cimo do monte avista-se Faro, numa extensão territorial muito mais vasta do que se pensaria, as luzes do aeroporto, aviões em rota de descida, e corre um vento quente, de norte para sul, que aflora levemente a vegetação rasteira do Barrocal.
Notam-se algumas alfarrobeiras, oliveiras, figueiras, azinheiras, as riquezas da região, mais do passado e talvez do futuro.
De novo, o vento traz-nos os odores. Detemo-nos numa vereda, onde João Ministro faz um pequeno briefing. "Vou tentar fazer aqui algo que poderá não resultar, pois está algum vento, que empurra o som e não o propaga, mas mesmo assim vou tentar chamar com música - isto é, sons de ave - algumas aves de rapina nocturnas que aqui têm habitat." São sete as espécies destas aves nocturnas, entre corujas e mochos, a maior de todas é o bufo-real (Bubo bubo), que pode medir até 70 cm de altura, mas 1,70 m de envergadura de asas. "É a maior de todas, um superpredador, também chamado mocho-real. Pode apanhar ratos, coelhos, raposas, ginetas, até águias. É uma ave muito secretiva, de grande território. Está no topo da cadeia alimentar, pelo que não tem predador", diz João Ministro. É uma ave protegida legalmente, e em 2006 o instituto de Conservação da Natureza estimava que existissem em Portugal cerca de 500 casais.Com o auxílio de um aparelho MP3 e uma coluna de som, Ministro pediu silêncio e fez emitir a música de chamamento, os sons de canto do bufo-real, um piar grave, ao nível da envergadura do bicho. Repetiu-o outras vezes, e depois os do mocho galego, bem mais pequenino. Também nada. Nada que estranhasse. "Isto não é uma ciência certa, fizemos algum barulho pelo caminho, está vento, e o território do bufo é muito grande. Mas sabemos que os há por aqui, e por vezes quando menos esperamos, eles aproximam-se para ver o que se passa. Vocês podem experimentar isto, há CD à venda com cantos de todas as aves do mundo."
Frustração? Um pouquinho, mas nada que detivesse a caminhada, sobre terra batida, agora sempre a descer, mesmo que Alte, já à vista, fique também ela no alto.
A surpresa
A ribeira homónima já corre ao lado, e desembocamos nas Fontes, local surpreendentemente aprazível, pela água, pelos relvados, pelo enquadramento e cuidados postos. Demorámos uma hora e 45 minutos. E sem stresses. Bom para as pernas, o coração, e o espírito. De súbito, um piar não passa despercebido. Um mocho galego, na certa, dissimulado no alto de uma árvore. Foi de gargalhada. E não mais piou, calou-se ante tanta assistência, quando raramente alguém se dispõe a ouvir o seu canto.
Na estrada alcatroada de regresso a Benafim, um raposinho, furtivo, é alcançado pelo foco luminoso do automóvel, atravessando-a, com relativa calma. Caminhava para as garras do bufo? O silêncio da rapina poderia querer dizer muita coisa..."
Este texto foi retirado do seguinte artigo do Publico:
://www.publico.pt/Local/procurar-as-rapinas-da-noite-e-uma-alternativa-a-praia_1503492?all=1
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